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Bráulio Borges

Pior momento da crise ficou para trás, mas uma retomada forte do PIB não está garantida

Expansão expressiva no terceiro trimestre foi insuficiente para recuperar as perdas acumuladas na primeira metade deste ano

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Bráulio Borges

Economista-sênior da LCA e pesquisador-associado do Ibre/FGV

O IBGE apontou que o PIB, depois de recuar expressivamente no primeiro e no segundo trimestre, apresentou taxa de expansão expressiva no terceiro trimestre.

Ainda assim, essa taxa foi insuficiente para recuperar as perdas acumuladas na primeira metade deste ano, refletindo as restrições adotadas para conter a pandemia do novo coronavírus e minimizar o número de mortes, bem como o temor das pessoas de sair às ruas e consumir nesse contexto.

Interessante notar que as taxas dessazonalizadas brasileiras nesses três trimestres foram praticamente idênticas à observadas e estimadas para o agregado da OCDE (que engloba diversos países avançados e alguns emergentes).

Ainda que algumas regiões brasileiras venham apertando as restrições à mobilidade de pessoas e ao funcionamento de estabelecimentos no fim deste quarto trimestre, em razão da “segunda onda”, ainda assim o PIB brasileiro deverá apresentar nova expansão dessazonalizada relevante no trimestre final de 2020, puxado pela indústria, encerrando o ano com um tombo de cerca de 4,5% sobre 2019.

Será uma das piores contrações anuais já registradas pelo Brasil em muito tempo. De todo modo, é um número bem melhor do que as estimativas de consenso apontavam em abril/maio (cerca de -6,5%) e do que projeções feitas por FMI e Banco Mundial até meados deste ano, que resvalavam nos dois dígitos de queda.

Em relação aos demais países da América Latina, o Brasil também se destacará positivamente nesse aspecto, já que muitos deles deverão fechar o ano com variações em torno de -10%.

Olhando para a frente, o carregamento estatístico favorece bastante 2021: caso o PIB brasileiro não cresça nada em termos dessazonalizados ao longo do próximo ano, ainda assim a taxa de variação anual se situará em torno de 2,5%.

O fim do auxílio emergencial, a partir de janeiro, certamente irá pesar negativamente, ainda que contrabalançado pela enorme poupança acumulada por muitos consumidores (em razão da redução expressiva do consumo de serviços) e pela expectativa de que a vacinação em massa comece no início de 2021(um esforço maior de coordenação pelo governo federal, em relação ao que vimos até recentemente, certamente ajudaria a agilizar bastante isso).

Algo que foi decisivo para esse quadro menos negativo do que se esperava há alguns meses foi a resposta de política econômica doméstica, sobretudo o suporte fiscal —com destaque para o auxílio emergencial (uma construção conjunta do Executivo com o Congresso).

Segundo dados do FMI, o pacote de suporte fiscal brasileiro correspondeu a quase 12% do PIB, somando aumentos de despesas (incluindo com saúde), diferimentos de pagamentos de tributos e concessão de garantias. É praticamente o triplo do observado na média da América Latina e bem próximo, em magnitude, aos pacotes adotados por economias desenvolvidas.

Contudo, o Brasil já largou em uma situação fiscal mais frágil do que boa parte dos demais emergentes —além de não emitir moeda de reserva, como é o caso das economias avançadas.

Desse modo, a dívida pública brasileira, que já era elevada, deverá subir cerca de 20 pontos percentuais do PIB neste ano. As preocupações quanto à solvência fiscal já vêm pesando negativamente no horizonte doméstico, o que pode tirar ímpeto da retomada em 2021.

Nesse contexto, para que a retomada seja forte e se sustente, é preciso ter um plano de voo bem definido para lidar com essa questão da sustentabilidade, mas sem ignorar os aspectos sociais e econômicos de curto prazo.

Algumas simulações sugerem que há opções para assegurar a solvência fiscal brasileira. Mas isso demandará esforços em várias frentes: será necessário que tenhamos alguma regra contendo os gastos obrigatórios por vários anos (ainda que diferente do atual teto, que tem problemas sérios de desenho e calibragem), que façamos reformas que elevem o potencial de crescimento a médio prazo (como a da tributação indireta) e que não descartemos eventuais elevações de carga tributária (sobretudo por meio de tributos pouco distorcivos para a atividade econômica e que podem combater externalidades negativas, como um “carbon tax”).

Por fim, cabe o seguinte questionamento: precisamos mesmo reduzir a dívida pública?Já não basta estabilizá-la? Eu diria que não. Dívida alta cria vulnerabilidade, tanto para Estados como para pessoas e empresas, e pressiona o risco-país (o que eleva a taxa de juros doméstica e prejudica o investimento e o potencial de crescimento).

Contudo, o processo de consolidação fiscal precisa levar em conta explicitamente fatores como a composição do gasto público(não tratando o investimento público de forma igual às despesas correntes), o estágio do ciclo econômico e os efeitos distributivos das políticas de gasto e taxação, dentre outros elementos que têm sido praticamente ignorados no debate sobre ajuste fiscal no Brasil nos últimos anos.

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