Franklin de Freitas – Ambulância chega a uma UPA de Curitiba: fila enorme para atendimento

Passado um ano desde o início da pandemia do novo coronavírus, a Região Metropolitana de Curitiba (RMC) enfrenta o momento mais grave da crise sanitária. Com a explosão no número de casos de Covid-19 nas últimas semanas e o consequente aumento na demanda por atendimento e internação, o sistema de saúde (público e privado) chegou ao limite.

Até a metade de fevereiro, conforme dados da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), a RMC contava com um total de 1.388 leitos SUS para pacientes Covid, das quais 807 (58%) estavam ocupadas, havendo uma taxa de ocupação de 80,2% nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e de 44,7% nas enfermarias.

Com a pandemia aparentemente controlada, não houve grande controle com relação ao fluxo de pessoas durante o Carnaval e episódios de aglomeração foram se tornando cada vez mais frequentes. Resultado: um mês depois o número de leitos para atender os pacientes de Curitiba até foi ampliado em 36,9%, alcançando a marca de 1.900. Mas acontece que o número de pacientes internados mais que dobrou, chegando a 1.749, com uma taxa de ocupação de 98,7% nas UTIs e de 88,5% nas enfermarias.

A pergunta que não quer calar, então, é como chegamos aonde estamos. E uma pesquisa divulgada nesta semana pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) traz um elemento fundamental de ser analisado, que muitas vezes acaba até meio de lado devido às discussões sobre festas clandestinas, negacionismo científico e as novas cepas do coronavírus que estão circulando. Trata-se da tomada de decisão, ou seja, das políticas implementadas em nível municipal, estadual e nacional.

O trabalho, coordenado pela pesquisadora Maria Tarcisa Bega, envolveu cerca de 25 pesquisadores ligados ao Grupo de Pesquisa e Extensão em Políticas Sociais e Desenvolvimento Urbano (PDUR) da UFPR e acontece no contexto do Observatório das Métropoles, que envolve outros grupos de pesquisa no país. A ideia, basicamente, foi analisar as políticas sociais (que envolvem a área da seguridade, previdência e serviço social, além das áreas de saúde e educação) adotadas.

O resultado, sinteticamente, aponta que as políticas implementadas pelo Paraná, por Curitiba, outros municípios e estados, não seguiram no sentido de combate à doença, mas apenas de gerenciamento de danos, evitando-se a tomada de medidas efetivas de distanciamento social com contrapartidas econômicas que permitissem às pessoas ficar em casa e buscando-se apenas um preparo para o impacto da doença, como a criação de novos leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI).

“No lugar de evitar a transmissão do novo coronavírus, optou-se por fornecer lugar para tratamento dos doentes. Ou seja, as políticas adotadas, como o sistema de bandeiras, visavam sobretudo preservar o sistema e sua capacidade de continuadamente receber novos pacientes”, escrevem os pesquisadores.

Sindicato dos médicos fala em ‘tragédia humanitária’

O Sindicato dos Médicos do Paraná (Simepar) publicou ontem uma nota reivindicando a tomada de “medidas concretas para amenizar o colapso da Saúde” no estado. No documento, é citado que estamos vivendo “uma tragédia humanitária” e solicitada a adoção de medidas como: restrição das atividades não essenciais; isolamento social de pelo menos 70% da população; ônibus com todos os passageiros sentados; capacitação de equipes de UTI; limite no deslocamento de pacientes; isenção de impostos e tributos para empresas; e auxílio financeiro emergencial pago pelos municípios às famílias carentes, entre outras medidas.

“O Simepar considera que o Governo Estadual deve editar um novo decreto com medidas de restrição a atividades não essenciais. (…) Devem ser evitadas atividades presenciais como aulas nas escolas públicas e privadas, cultos religiosos, shows, cinemas, eventos esportivos e outros”, solicita o sindicado. ““O ideal neste momento seria a implementação de um lockdown que proporcionasse o índice de isolamento social de 70% da população. Sobre a imunização por vacina, é urgente que se atinja a imunização de 30% da população, evoluindo progressivamente para até 90% na medida em que as vacinas sejam disponibilizadas.”

Como o Paraná chegou ao colapso

1. Negacionismo científico
Desde o início da pandemia, muitos insistiram na tese de que tudo era invenção da imprensa ou, no máximo, de uma “gripezinha”. Além disso, houve uma multidão abraçando curas milagrosas que até hoje não se mostraram eficazes para o enfrentamento da pandemia.

2. Desrespeito aos protocolos sanitários
Decorre do item anterior. Afinal, se eu não acredito que a crise sanitária é tão grave como alardeado, eu não preciso usar máscara (há quem chame o item de ‘focinheira’), cumprir o isolamento social ou mesmo evitar aglomerações e não participar de festas clandestinas.

3. Economia x Saúde
O problema, aqui, se verifica em todas as esferas (municipal, estadual e federal). Na prática, houve uma priorização da economia em detrimento à saúde. Além disso, mensagens contraditórias às recomendações científicas também foram recorrentemente transmitidas à população, não raro a partir da esfera federal.

4. Demora na decretação de lockdown
Em entrevista à Rádio CBN, em 25 de fevereiro, a secretária municipal de Saúde Márcia Huçulak, dizia que Curitiba estava “na iminência do colapso”. Ainda assim, apenas na última sexta-feira (12 de março) foi decretado um lockdown, que passou a valer no dia seguinte. Além disso, enquanto o Paraná já vinha registrando recorde de casos e mortes, o Governo resolveu começar a reabrir atividades não-essenciais na última semana e também reabriu as escolas particulares.

5, Nova cepa do coronavírus
Identificada no final do ano passado no Amazonas, a cepa P1 do novo coronavírus é mais transmissível e, ao que tudo indica, também mais letal. Desde que ela começou a circular no Paraná, aumentou ainda o número de pessoas mais jovens com quadros graves de Covid-19, muitos indo parar na UTI e outros tantos falecendo.

6. Falta de políticas assistenciais
Para que a população pudesse ficar em casa, era necessário o apoio do governo, em todas as esferas. Os Estados Unidos, por exemplo, investiu mais dinheiro para conter a crise do coronavírus e ajudar empresários e trabalhadores do que para superar a crise financeira de 2008.

7. Falta de coordenação
Curitiba decretou lockdown na sexta-feira. Outras cidades da RMC seguiram o exemplo e entraram em lockdown desde segunda. Mas outros municípios, como São José dos Pinhais e Quatro Barras, não quiseram adotar medidas mais duras, por ora. Na prática, isso afeta toda a política para combate à pandemia na RMC.

8. Ritmo lento da vacinação
A meta do Paraná era vacinar 4 milhões de pessoas até o final de maio. Para que consiga atingir isso, porém, será necessário acelerar em cinco vezes o ritmo atual de imunização. A lentidão se deve à falta de imunizantes e está associada, em grande medida, à postura do Ministério da Saúde em face da pandemia.

9.Carnaval e outros feriados
Veio o Natal e o Reveillon. O número de casos, contudo, não teve um aumento tão grande na sequência, como seria de se esperar. Aí veio o Carnaval em meados de fevereiro. Mais aglomerações, muita folia. Só que tinha uma variante do coronavírus já circulando entre nós.

10.Guarda baixa
Já havia se passado um ano de pandemia, duas ondas. A vacinação da população havia começado (ainda que lentamente) e Curitiba chegou a desativar leitos para pacientes Covid. Tudo indicava que o pior havia passado. E foi aí que o vírus pegou a todos, se não com a guarda totalmente baixa, ao menos com ela mais baixa do que em outros tempos.