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AstraZeneca nega vender vacinas ao setor privado, mas empresas seguem negociando com fundo de investimento

Farmacêutica diz que produção já está comprometida em acordos com governos; empresas tentavam comprar 33 milhões de doses

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Brasília

Apesar de a AstraZeneca ter divulgado nota na qual afirma que não venderá vacinas para empresas privadas, companhias brasileiras seguem negociando com o fundo de investimento BlackRock, que tem participação na farmacêutica.

De acordo com executivos ouvidos pela Folha, os 33 milhões de doses que eles querem comprar pertencem à BlackRock e não à AstraZeneca. Por isso, dizem, o comunicado da empresa não interfere nas articulações para adquirir os imunizantes.

Segundo empresários, as tratativas para a aquisição do material estão em curso e devem envolver questões diplomáticas. Isso porque pode haver entraves na exportação de vacinas.

O lote que pode ser comprado pelas firmas brasileiras está no Reino Unido. Os imunizantes estão prontos e podem chegar ao Brasil em dez dias após a compra, afirmam pessoas envolvidas na negociação.

Executivos dizem não ter detalhes sobre o acordo que teria sido feito entre a AstraZeneca e a BlackRock, mas acreditam que o fundo acertou com a farmacêutica que receberia lotes em troca do investimento para a produção.

Profissional de saúde prepara dose da vacina da AstraZeneca no Reino Unido - Ben Stansall/AFP

Por meio de sua assessoria, o fundo BlackRock "afirma que não está em negociação com nenhuma empresa para compra de vacinas".

Nesta segunda (25), a Folha revelou que empresas se organizaram para negociar junto ao governo a aquisição de 33 milhões de doses da vacina de Oxford, que é desenvolvida pela AstraZeneca. O governo chegou a enviar uma carta à farmacêutica dando aval à compra.

Nesta terça, o próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) confirmou a informação e exaltou a possibilidade de compra em um evento da Credit Suisse.

"Semana passada fomos procurados por um representante de empresários, e assinamos uma carta de intenção favorável a isso para que 33 milhões de doses da Oxford viessem do Reino Unido para o Brasil a custo zero para o governo, e metade dessas doses, 16,5 milhões, entrariam para o SUS e estariam então no PNI [Plano Nacional de Imunização], seguindo os critérios. E o restante ficaria para esses empresários para que fossem vacinados os seus empregados, para que a economia não parasse", disse o presidente.

Bolsonaro ainda afirmou ser favorável à ideia dos empresários e disse que "no que puder", vai estimular a proposta.

"Porque com 33 milhões de doses de graça aqui no Brasil para nós ajudaria muito a economia e aqueles também que porventura queiram se vacinar --porque nossa proposta é voluntariado-- o façam para ficarem livre do vírus", disse o presidente. ​

A AstraZeneca, porém, divulgou comunicado na qual informa não ser possível "disponibilizar vacinas para o setor privado".

"Nos últimos sete meses, trabalhamos incansavelmente para cumprir o nosso compromisso de acesso amplo e equitativo no fornecimento da vacina para o maior número possível de países ao redor do mundo", diz a nota.

Com o posicionamento da AstraZeneca, porém, a aquisição não deve ocorrer.

"No momento, todas as doses da vacina estão disponíveis por meio de acordos firmados com governos e organizações multilaterais ao redor do mundo, incluindo da Covax Facility, não sendo possível disponibilizar vacinas para o mercado privado", informou a empresa na nota divulgada nesta terça.

"Como parte do nosso acordo com a Fiocruz, mais de 100 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca (AZD1222) estarão disponíveis no Brasil, em parceria com o governo federal", aponta, em referência a um acordo firmado no ano passado com o Ministério da Saúde para fornecer doses ao SUS.

Empresas, no entanto, vinham negociando com o governo para que pudessem comprar vacinas e imunizar seus funcionários.

Segundo integrantes do governo disseram à Folha nesta segunda (25), o Executivo havia decidido não se opor à compra porque o lote que é negociado pelas firmas privadas é muito mais caro do que o que já foi adquirido pelo Ministério da Saúde. A dose, no acordo construído pelas empresas, estava na faixa de US$ 23,79, valor muito acima do praticado no mercado.

Além disso, o governo tinha a expectativa de que as empresas doassem mais da metade do que seria adquirido. Ou seja, o governo poderia receber mais de 16,5 milhões de doses, suficiente para imunizar 8,25 milhões de pessoas.

A discussão, porém, esbarrava em pontos éticos --como fazer com que pessoas fora do grupo prioritário fossem vacinadas mais cedo.

Embora grandes empresas tenham desistido de participar de um grupo que busca comprar as vacinas, outras companhias reuniram-se nesta segunda-feira (25) e insistiam na negociação com o governo.

O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, passou boa parte desta terça com Bolsonaro e ministros palacianos. No fim da tarde, após a negativa da AstraZeneca, ele disse nunca ter mencionado qualquer compra de imunizantes, mas afirmou que o setor privado está à disposição do governo "naquilo que for necessário".

"Para agilizar este processo, nos colocamos à inteira disposição do presidente Bolsonaro em tudo aquilo que os setores produtores brasileiros, as empresas brasileiras puderem colaborar para agilizar, para que o mais rapidamente possível toda a população brasileira seja vacinada, é isso que nós estamos nos colocando à disposição", afirmou Skaf.

O presidente da Fiesp disse ainda que o setor privado não pretende "em hipótese nenhuma, em momento nenhum, prejudicar ou atrapalhar ou pensar individualmente em empresas ou em setores".

Apesar das reiteradas manifestações de Bolsonaro de que a vacina deve ser opcional, e não obrigatória, Skaf disse que o presidente está ansioso para que "toda a população" seja imunizada.

"Senti o presidente com uma grande preocupação disso e muita ansiedade para que rapidamente toda a população brasileira realmente tenha oportunidade de ser vacinada."

COLABOROU Daniel Carvalho

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