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Projeto de lei que regulamenta (e complica) a logística reversa em SP aguarda sanção pelo prefeito

Por Manuela Demarche Mello e Matheus Cano Faria
Atualização:
Manuela Demarche Mello e Matheus Cano Faria. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Projeto de Lei (PL) nº 295/2019, aprovado em segunda votação pela Câmara dos Vereadores de São Paulo, prevê a obrigatoriedade da implantação de logística reversa no Município de São Paulo, mediante o recolhimento e destinação final ambientalmente adequada de produtos (e respectivas embalagens) comercializados no mercado paulistano. A sua não-observância sujeita os infratores às penalidades estabelecidas pela Lei Federal nº 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais. O texto aprovado aguarda apreciação e sanção do Prefeito Bruno Covas.

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Apesar de o PL estar supostamente articulado com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal nº 12.305/2010), há diversos dispositivos que contrariam não só as normas federais, como também Acordos Setoriais e Termos de Compromisso atualmente vigentes, o que, se sancionado, trará maior complexidade ao já complexo mundo da logística reversa, gerando inseguranças ao setor econômico e inúmeras dúvidas acerca da sua real necessidade e eficácia. Em comparação às normas já vigentes, seja em âmbito federal e/ou estadual, o texto do PL inovará apenas ao estabelecer a obrigatoriedade da logística reversa de lâmpadas LED, até então não abrangida pelos sistemas de âmbito nacional ou estadual.

Vale lembrar que a Lei Municipal nº 13.316/2002, cuja revogação é prevista pelo PL, já prevê a operacionalização da logística reversa no âmbito do Município de São Paulo, mas jamais foi efetivamente posta em prática, já que estabelece metas impossíveis de serem atingidas, fixadas sem respaldo nos devidos estudos de viabilidade técnica e econômica que normalmente acompanham normas sobre logística reversa.

O PL aprovado, porém, não traria cenário diferente. Um dos pontos mais controversos diz respeito às metas fixadas, com aparente falha de redação por parte do legislador. Está prevista a obrigação de recuperação, em massa, na proporção daquilo que foi colocado no mercado paulistano no ano anterior, dos seguintes percentuais anuais de embalagens: 25% até dezembro de 2021; 28% até dezembro de 2022; 30% até dezembro de 2023; e 35% até dezembro de 2024. Nesse sentido, apesar de o texto do PL aprovado dizer respeito a diversos produtos (tais como óleo lubrificante usado e contaminado, pilhas e baterias, agrotóxicos, dentre outros), a redação dos dispositivos relacionados a tais metas diz respeito única e exclusivamente às embalagens em geral, sem que haja qualquer menção aos demais produtos e embalagens objeto da norma. Teria sido o intuito da norma regulamentar exclusivamente a logística reversa de embalagens em geral? Parece que não.

De qualquer forma, seja por erro de redação ou por mero descuido do legislador, caso se entenda que tais metas se aplicariam também aos demais produtos e resíduos, a nova norma paulistana nivelaria de forma irracional os índices de coleta e destinação final ambientalmente adequada dos mais diversos produtos que regulamenta, sem qualquer respaldo técnico. Tais percentuais, aliás, divergem consideravelmente daqueles estabelecidos em Acordos Setoriais e Termos de Compromisso atualmente em vigor, sendo por vezes contraditórios e mais brandos. A título de exemplo, a meta de recolhimento de pneus inservíveis atualmente é de 100%, já que para cada pneu novo comercializado no mercado de reposição, as empresas fabricantes e/ou importadoras deverão dar destinação adequada a um pneu inservível. Já para os eletroeletrônicos e seus componentes, cujo sistema está atualmente em fase de implantação, a meta de recolhimento prevista para 2021 é de 1% do volume colocado no mercado, subindo gradativamente até 17% em 2025.

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Mesmo se considerarmos que as metas previstas no PL se aplicam apenas para as embalagens em geral, conforme se infere da leitura seca de seu texto, é certo que tais metas também são bastante diferentes daquela fixada hoje em âmbito nacional: a meta em vigor compreende o desvio de 22% das embalagens então enviadas para aterros.

O Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PLANARES), aliás, prevê que, em relação às embalagens em geral, as metas de recolhimento deverão ser fixadas entre 24% em 2024 e 30% em 2028. Novamente, a legislação paulistana está na contramão. Embora possam parecer números baixos, as metas nacionais são bastante ousadas quando levamos em consideração que a implementação desse tipo de sistema, em um país de dimensões continentais como o Brasil, além de ser lenta e trabalhosa, não conta com a participação de um dos elos essenciais da cadeia, o consumidor brasileiro, que prefere fingir não saber separar seu próprio lixo.

Nesse contexto, o estabelecimento de metas factíveis aos setores econômicos se mostra indispensável para evitar que a implementação da logística reversa reste prejudicada, ante a impossibilidade de cumprimento pelo setor econômico.

É verdade que, em tese, as normas municipais podem ser mais restritivas do que a norma geral - e que o Município de São Paulo busca sempre estar na vanguarda -, mas, no caso concreto, não há estudos que indiquem a necessidade de adoção de metas diferenciadas para o município. Haveria, isso sim, verdadeira contradição com o que estabelece a PNRS, uma vez que a implementação dos sistemas de logística reversa no Município não levariam em consideração a demonstração de sua viabilidade técnica e econômica, gerando enorme desequilíbrio financeiro e insegurança. Ao estabelecer metas maiores e mais agressivas do que as federais, sem justificativas claras, o PL viola os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, e da visão sistêmica na gestão dos resíduos sólidos, ofende o requisito legal de viabilidade técnica e econômica, e faz um desserviço ao abrir temeroso precedente. Se cada município brasileiro optar por fixar normas isoladas, com bases de cálculo aleatórias, sem observância da prevalência dos Acordos Setoriais e Termos de Compromissos firmados em âmbito nacional, haverá enorme retrocesso e uma desestruturação inevitável das iniciativas realizadas em nível federal, inviabilizando, portanto, a efetivação da logística reversa no Brasil.

Outro ponto polêmico, e que merece ser explorado em artigo próprio, diz respeito à previsão de que os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes dos produtos (e respectivas embalagens) regulamentados pela norma seriam obrigados a remunerar o titular do serviço público de limpeza urbana, caso este se encarregue de atividades de responsabilidade do setor econômico. Embora tente fazer um paralelo com o que prevê a PNRS, o PL paulistano acaba por ocultar um ponto importantíssimo da norma federal, que prevê que tal remuneração apenas ocorrerá mediante assinatura de Acordo Setorial ou Termo de Compromisso, de forma previamente acordada entre as partes.

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De forma geral, a possível nova legislação, que mais parece um grande retalho, replica de forma ingênua e irracional apenas parte da legislação federal, adicionando, contudo, um nível desnecessário de complexidade à matéria. Assim, não há dúvidas de que a melhor opção é o veto do Prefeito Bruno Covas, senão integral, ao menos em relação aos pontos mais críticos do texto. Caso assim não se decida, restará ao nosso Poder Judiciário ponderar e decidir chegar a bom termo em relação a esse tema, que provavelmente será objeto de inúmeras medidas judiciais.

*Manuela Demarche Mello e Matheus Cano Faria, advogados do escritório Trench Rossi Watanabe 

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