Startup baiana faz ponte entre catadores e compradores de reciclagem

Empresa valoriza a coletiva seletiva; veja como funciona

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 2 de dezembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Quando um catador recolhe uma embalagem jogada no chão, que seria destinada a um aterro público, o que era “lixo” retorna a uma cadeia de valor para ser transformado em matéria-prima e a partir daí ganhar nova destinação. No mundo ideal, este processo se repete, reduzindo o impacto negativo da ação humana. Este é o conceito da economia circular, que vem ganhando cada vez mais importância em todo o mundo, incluindo-se aí a cidade de Salvador. 

O Brasil gera 80 milhões de toneladas ao ano, segundo a Associação Brasileira de Limpeza Púbica (ABRELP). Só na Bahia são mais 5 milhões de toneladas, sendo este o estado com o maior número de lixões a céu aberto do país e que, segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, deveriam ter sido extintos até 2014. Todo esse resíduo produz gás metano, que é 21 vezes mais poluente que o CO2, gera chorume que contamina o lençol freático e atrai animais vetores de doenças.

Missão Foi este o cenário que levou Gabriela Tiemy e Saville Alves a fundar a Solos, startup baiana que desenvolve soluções para reduzir o lixo nas cidades. Quando elas atuavam num projeto social voltado para a construção de moradias, passaram a olhar  com mais sensibilidade para a questão do saneamento, que engloba entre outras coisas a destinação do lixo. 

“A gente pensava em como embutir nas nossas vidas profissionais os nossos valores”, lembra Saville Alves. Foi quando escolheram trabalhar com os resíduos que a sociedade trata como lixo. O trabalho começou focado no resíduo orgânico, que representa 53% do total gerado, mas acabou sendo direcionado para os materiais recicláveis. “O mercado de resíduos recicláveis ainda é muito carente de soluções e existe uma pressão de lei bastante incisiva para que as empresas adotem medidas para garantir a destinação correta das embalagens após o consumo”, explicou.  Saville Alves diz que Solos nasceu do desejo de trabalhar com algo que tivesse a ver com os seus valores (Foto: Divulgação) Um outro fator que ajudou na decisão pela reciclagem foi a constatação de que o aterro sanitário de Salvador consegue uma destinação para o gás metano proveniente da decomposição do material orgânico. A partir disso, a Solos passou a buscar soluções voltadas para  reciclagem de embalagens pós-consumo. “No caso dos materiais recicláveis o cenário é diferente. Temos materiais, como é o caso do vidro que a gente ainda nem sabe quanto tempo demoram para se decompor”, destaca. “Reciclar ou buscar o reuso é a melhor maneira de evitar que esses materiais se acumulem na natureza”, diz. Logística reversa Hoje a principal solução desenvolvida pela Solos passa pela realização da logística reversa de eventos. A empresa oferece o serviço para produtores de eventos e donos de estabelecimentos como bares e restaurantes, sempre em conjunto com as empresas responsáveis pelas embalagens. 

“Quando a gente teve a ação no carnaval de Salvador, toda a ação de coleta de rua foi a gente quem fez. O patrocinador do carnaval precisa garantir a logística reversa e a gente conseguiu organizar essa logística”, conta. No ano passado foram 81 mil toneladas e este ano, 163 mil toneladas. 

Segundo ela, o trabalho é sempre desenvolvido em parcerias com as cooperativas de reciclagem. É a partir da parceria que muitos catadores tem acesso a alguns dos direitos mais básicos, como uma melhor remuneração e até os equipamentos de proteção individual (EPIs). “Não é algo que eu goste de falar, ou ache que mereça ser valorizado, mas muitas vezes é a partir dessas parcerias que fazemos que os catadores têm acesso pela primeira vez a coisas básicas para o seu trabalho”, diz. 

Cooperativas Segundo Saville, além da questão dos equipamentos de segurança, a startup atua na valorização do trabalho das cooperativas. “A gente busca pagar valores acima dos que são oferecidos às cooperativas normalmente, também negociamos com as indústrias de reciclagem melhorias nos valores pagos às cooperativas”, explica. 

Nos primeiros momentos da pandemia, as cooperativas chegaram a registrar perdas de até 60% do faturamento, conta Saville. Naquele momento, foi feita uma campanha de arrecadação para garantir a continuidade das operações de três cooperativas. Um valor de R$ 50 mil foi dividido por três entidades, garantindo o sustento dos catadores durante o período em que tiveram que suspender as atividades. Segundo ela, a situação ainda não se normalizou, mas o volume de perdas diminuiu. A empresa buscou definir com o Ministério Público o que era necessário para garantir a atuação dos catadores em condições seguras para eles. 

Depois disso, foi a vez de começar a realizar eventos.  “A gente realizou esse evento grande em Salvador, o Braskem Recicla, e agora em dezembro vamos fazer toda a logística reversa numa vila que fica no Sul da Bahia”, conta. Durante o Braskem Recicla foram recolhidas mais de seis toneladas de produtos. Além dos resíduos gerados no próprio drive in, através das redes sociais, a organização do projeto estimulou que estabelecimentos da região e o próprio público levassem seus resíduos para a central. 

No caso da Cooperguary, que é responsável pelo sustento direta e indiretamente de 30 famílias, no bairro de Periperi, nos piores momentos a pandemia chegou a provocar uma paralisia quase total das atividades, conta o diretor administrativo da cooperativa Genivaldo Ribeiro, mais conhecido como Tico. Ele se define como um “faz tudo” por lá. 

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Além de ter reduzido significativamente o trabalho para respeitar as regras de distanciamento, Tico conta que os catadores foram impactados pelo fechamento temporário de estabelecimentos com os quais eles tinham parcerias. “Ficaram muito poucos abertos, como os hospitais”, lembra. 

Segundo ele, as doações e o evento em setembro foram fundamentais. “As ações da Braskem e da Solos salvaram muitas vidas. Somos gratos demais por elas e pelas outras empresas que entenderam a importância de nos estender a mão neste momento”, lembra. Estávamos sem perspectivas para sobreviver a estes últimos meses”. 

Mais do que o apoio material, Tico disse que a comunidade de catadores tem a sensação de “ter alguém olhando” por eles. “Hoje a gente se sente útil e percebe que tem pessoas e entidades cuidando de nós. A maioria dos catadores vive à margem do que tem de bom no mundo do trabalho”, lamenta.  

Para Tico, um dos principais desafios passa por mostrar à sociedade a importância desses profissionais. “Existem pessoas que ainda veem um catador como se ele fosse o próprio lixo. Isso precisa mudar”. “Quando você tira uma garrafa, ajuda o meio ambiente, não deixa entupir um bueiro. Nosso trabalho é manter a renda do cooperado fixa. Hoje, com muito esforço, o cooperado está conseguindo R$ 500”, lamenta. “Existe um carnaval sem o catador? Como ficaria a cidade, o meio ambiente e os aterros?”, questiona. A economia circular é um dos temas discutidos no Agenda Bahia. O Fórum Agenda Bahia 2020 é uma realização do CORREIO, com patrocínio do Hapvida, parceria do Sebrae, apoio da Braskem, Claro, Sistema FIEB, SINDIMIBA, BATTRE e Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e apoio institucional da Rede Bahia e GFM 90,1.